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Exclusivo: Presidente da Latam fala sobre recuperação judicial, preço das passagens e o futuro da empresa no Brasil

Leonardo Cassol
04/06/2020 às 18:29

Exclusivo: Presidente da Latam fala sobre recuperação judicial, preço das passagens e o futuro da empresa no Brasil

Na semana passada a Latam surpreendeu a todos com um pedido de recuperação judicial de suas afiliadas no Chile, Peru, Colômbia, Equador e Estados Unidos, por conta dos efeitos da pandemia de coronavírus. Apesar da unidade no Brasil não ter sido incluída, a medida gerou preocupação entre os viajantes quanto ao futuro das operações da empresa. Conversamos com o CEO da Latam Airlines Brasil, Jerome Cadier, que explicou o que motivou essa decisão, como ficam as rotas e voos da empresa, o que podemos esperar em relação ao preço das passagens aéreas e ao futuro da aviação após essa pandemia e muito mais, numa entrevista exclusiva. Confira o conteúdo completo em texto ou em vídeo.

Melhores Destinos: O que motivou o pedido de recuperação judicial da Latam?

Jerome Cadier (Latam): A aviação parou com a pandemia de coronavírus! Houve uma queda brutal das vendas, que chegou a mais de 90% da receita. Mantivemos alguns voos domésticos no Brasil e no Chile, mas em outros mercados (como Colômbia, Argentina e Peru) os voos pararam totalmente. E a recuperação já deu sinais que vai acontecer de forma lenta. Dado esse cenário, vimos que a melhor forma de garantir a sustentabilidade da companhia no longo prazo seria reestruturando a operação e as dívidas da empresa.

Melhores Destinos: Por que a operação do Brasil não entrou em recuperação judicial junto com as demais?

Jerome Cadier (Latam): Por dois motivos principais. O primeiro deles é que grande parte da dívida financeira do grupo não está localizada na operação brasileira, mas concentrada na holding, no Chile. E a partir do momento que o Chile entra em recuperação judicial nos Estados Unidos já temos o benefício da renegociação desses passivos. Ou seja, o Brasil também é beneficiado por esse movimento, sem ter entrado no pedido. Isso vale para os passivos financeiros, mas também para os contratos de leasing (aluguel) de aeronaves, o que permitirá ao Brasil ajustar o tamanho da frota à demanda de operação para os próximos meses. O segundo motivo é que estamos em negociações avançadas com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Confiamos que nas próximas semanas vamos chegar a um acordo definitivo sobre o empréstimo e o dinheiro (cerca de R$ 2 bilhões, de acordo com fontes do governo brasileiro) vai ser aportado na operação da empresa no Brasil.

Melhores Destinos: O fato de grandes empresas, como Delta e American Airlines, terem passado com êxito por processos de recuperação judicial nos Estados Unidos em crises anteriores foi determinante para que o pedido fosse feito lá?

Jerome Cadier (Latam): O processo do Chapter 11 (Capítulo 11) da Lei americana é diferente da recuperação judicial aqui no Brasil, na maneira como ele é conduzido. Ele não é diferente na essência, já que ambos buscam permitir que a empresa volte a operar de forma sustentável. Mas o processo norte-americano é bastante rápido, claro e objetivo, conduzido de forma muito previsível pela corte. E esse instrumento já foi várias vezes utilizado com sucesso pelo setor aéreo, como exemplo da Delta e da American, bem como por montadoras de automóveis, que se recuperaram e continuaram operando. É um processo testado e mais previsível. Aqui no Brasil é mais difícil prever como uma recuperação judicial vai ser conduzida. E a quantidade de empresas que entram e não voltam a operar é maior. Por isso o processo lá é mais confiável, digamos assim.

Melhores Destinos: Governos de países como Estados Unidos, França e Alemanha ofereceram apoio para as companhias aéreas, com empréstimos  bilionários e até recursos a fundo perdido. Você diria que as nações desenvolvidas capitalistas têm uma percepção de valor diferenciada do setor aéreo, já que os países em desenvolvimento ainda não efetivaram medidas concretas de apoio? Sem ajuda governamental as empresas vão conseguir sair dessa crise?

Jerome Cadier (Latam): Eu acho que isso vem de outros fatores. A própria capacidade financeira que esses países têm é diferente. Tem governos mais ricos, com mais capacidade de emprestar, e que estão preocupados em fazer com que a recuperação seja rápida. Já na América Latina temos mais dificuldade de definir o apoio, acho que pela disponibilidade (limitada) de recursos. Não foi só o Brasil que ainda não concretizou a ajuda. O Chile a Colômbia também não. Outro fator é que essa crise chegou pra valer aqui 4-5 semanas depois da Europa, ou seja, eles já estão mais avançados.

Para mim é muito claro que as empresas aéreas e o setor de turismo precisam de ajuda para uma recuperação rápida. Sem ajuda sairemos da crise, mas de uma forma muito mais lenta e dolorosa. Ninguém entrou nessa crise por incompetência na gestão, pelo contrário. As três empresas aqui são muito bem gerenciadas. O setor estava num momento de aceleração e de investimentos e foi duramente afetado por um fator externo.

Melhores Destinos: Qual a previsão de liberação do recurso do BNDES? O dinheiro sai em tempo de ajudar a empresa?

Jerome Cadier (Latam): Sim. Nossa expectativa é que o recurso saia na primeira quinzena de julho. Há duas semanas tivemos uma definição mais clara do tamanho do empréstimo. O prazo e a quantia são adequados. O que não sabemos é quanto tempo mais a crise vai perdurar. Apostamos numa recuperação das vendas nos próximos meses. A medida que essa recuperação não vem, mantendo-se uma demanda muito baixa (hoje inferior a 10% do que deveria ser normalmente) por um período prolongado, talvez a gente tenha que voltar a discutir lá na frente. Mas hoje, com a expectativa que temos, a negociação será suficiente.

Melhores Destinos: Você está mais otimista ou pessimista em relação à crise, se comparado ao início da pandemia?

Jerome Cadier (Latam): Difícil. No fim de março, quando já estávamos sentindo os principais impactos da crise e se preparando para hibernar, eu talvez estivesse mais otimista do que hoje, acreditando que a recuperação seria mais rápida. O que vemos agora é que a crise do ponto de vista da saúde está se prolongando. As decisões sobre reabertura de comércios e hotéis estão mais lentas do que imaginado. Mas a ficha caiu mesmo no mês de abril. Por isso, se comparar minha percepção hoje com a de abril, eu não estou nem mais otimista, nem mais pessimista.

Melhores Destinos: Há uma diferença na queda da demanda por viagens no Brasil do que em outros países onde a Latam opera?

Jerome Cadier (Latam): Temos que dividir em dois grupos. No Brasil e no Chile continuamos com alguns voos. Não houve uma decisão governamental de suspender operações. Já no Peru e na Colômbia a aviação comercial parou totalmente, por decisão dos governos. Do ponto de vista de recuperação, comparando Brasil e Chile, o Chile tem uma perspectiva de recuperação mais rápida que nós, porque lá as medidas foram mais duras no começo da pandemia. Pouca gente apostava que iríamos entrar no mês de junho com mais de 30 mil mortos no Brasil. É um número assustador e com grande impacto social.

Melhores Destinos: Como é o desafio de reprogramar a volta dos voos internacionais num contexto onde a Europa prorroga o fechamento de fronteiras e os Estados Unidos definem restrições para viajantes vindo do Brasil? As empresas aéreas terão que lidar com isso daqui pra frente?

Jerome Cadier (Latam): É um mega desafio. A palavra flexível quase não existe no setor aéreo. Ele tem regras para tudo que você imaginar, com uma rigidez e uma dificuldade de se tomar decisões com pouca antecipação. Vamos pegar a decisão do Trump, por exemplo. Estávamos operando 3 voos semanais para os Estados Unidos. Num domingo ele toma a decisão de restringir a chegada de pessoas vindo do Brasil a partir da quinta-feira. Aí, no dia seguinte, ele antecipa a restrição de quinta para terça-feira. Nós tínhamos voos programados com passageiros e carga e tivemos que cancelar… Temos sofrido bastante!

Vamos voltar a operação numa velocidade que a gente não sabe ao certo qual será. Temos que considerar que pode ter uma segunda onda (de pandemia). As fronteiras podem reabrir e fechar novamente. A gente vai ter muita insegurança em relação à demanda futura. Esse setor inflexível que temos hoje definitivamente não é adequado a essa nova realidade. Como eu ofereço para o passageiro alguma flexibilidade se tudo que tem antes e depois da cadeia é inflexível? São decisões de meses e anos, como dimensionar frota e tripulação, por exemplo. Eu não posso mudar minha programação, não posso renegociar meus contratos com os fabricantes de aeronaves, não posso mudar os horários que eu vou chegar ou sair do aeroporto, porque os slots são regulados minuto a minuto. É hora da gente repensar a cadeia toda. E isso é complexo. Mas a longo prazo vai ter que mudar!

Melhores Destinos: Mas para viabilizar essa mudança as companhias aéreas vão ter que mobilizar outros atores. Isso já começou?

Jerome Cadier (Latam): Ainda não estamos muito articulados. Começamos a trabalhar com mais intensidade na entrada da crise, em caráter emergencial, e agora começamos a nos dedicar a saída dela. Muitas dessas regras são definidas por órgãos reguladores, aeroportos, ou até pelo próprio Congresso. Se eu quiser mudar a forma que eu remunero ou incentivo meus tripulantes, por exemplo, a discussão não é com a SAC (Secretaria de Aviação Civil do Governo Federal) ou com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), mas sim com o Congresso. Vamos precisar sensibilizar todos os atores que criaram essa rigidez repensem ela. Não podemos aceitar, por exemplo, que o tripulante brasileiro seja um dos que menos voa no mundo inteiro. Aqui, no máximo, um tripulante trabalha 90 horas por mês. Na média, são 60-70 horas por mês. Por que temos que aceitar isso no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, na Europa, na Ásia, muitos voam mais de 110-120 horas? Acho que chega de jabuticaba brasileira. Podem me achar muito ácido quando falo isso, mas creio que chegamos no limite de aceitar a ineficiência de um setor que se regulamentou de forma absurda. No fim o passageiro fica frustado com a falta de flexibilidade, que não é culpa da Latam, da Gol ou da Azul.

É bom relembrar que o Brasil reduziu as barreiras para a entrada de novas companhias aéreas, buscando ampliar a concorrência. Desde a saída da Ocean Air (Avianca Brasil), o governo fez inúmeros esforços buscando empresas que viessem para cá. Mas, de fato, ninguém veio! Por que? Ninguém achou o Brasil atrativo!? Temos que discutir isso, ao invés de só meter o pau nas empresas que estão operando aqui. Vamos tratar da essência, para que a gente tenha mais concorrência e mais flexibilidade.

Melhores Destinos: Muitos clientes se mostraram preocupados pelo fato de uma empresa brasileira não ter sobrevivido a um processo de recuperação judicial em 2019. Quais as diferenças entre a situação vivida pela Latam e o que passou a Avianca Brasil?

Jerome Cadier (Latam): É inevitável que as pessoas façam comparações. E compreensível que tenham receio. Mas são momentos completamente diferentes. A Latam tomou a decisão de pedir recuperação judicial em alguns mercados com caixa para navegar ao longo desse processo (US$ 1,3 bilhões ou cerca de R$ 7 bilhões). E ainda com os acionistas se comprometendo a entrar com mais dinheiro (US$ 900 milhões ou aproximadamente R$ 5 bilhões). Além disso, entramos na crise num momento de aceleração, com uma operação super redonda, sólida e lucrativa. Fomos a companhia aérea mais pontual do mundo em 2019, com um resultado bem positivo como grupo. Na sequência, começou uma crise que está assolando todo mundo de forma igual. Diferentemente do que aconteceu com a Avianca, que teve um problema de gestão, pedindo recuperação judicial quando já estava com vários pagamentos atrasados. E, naquele momento, as outras empresas não estavam em crise. Pelo contrário.

Outra grande diferença foi que o processo da Avianca correu somente aqui no Brasil. Com os atrasos nos pagamentos as empresas de leasing vieram e tomaram os aviões da empresa. Ela queria continuar voando, mas não tinha mais aviões. O processo nos Estados Unidos permite que eu fique com os aviões que são necessários para a operação da companhia e que devolva a quantidade excedente. Na semana passada, logo depois do anúncio da recuperação judicial, devolvemos 20 aeronaves (13 desses da operação brasileira) que temos convicção que não serão mais necessários. E entramos em negociação de todos os outros. É exatamente o contrário do que viveu a Avianca Brasil.

Melhores Destinos: Os clientes que tem um crédito, pontos, ou uma viagem planejada com a Latam podem ficar tranquilos então?

Jerome Cadier (Latam): Nossos clientes, parceiros de negócio, agências, fornecedores e colaboradores podem ficar tranquilos. Vamos continuar operando. Vamos continuar pagando todos e honrando pontos, créditos e passagens.

Melhores Destinos: A empresa já tem claro o tamanho que precisa ter após a pandemia? Há um número de aeronaves ou de rotas/frequências já definido? 

Jerome Cadier (Latam): É muito difícil hoje a gente ter uma visão exata de qual vai ser a demanda em dezembro. A gente não tem sequer clareza de como vai ser em julho! Então, qualquer estimativa acaba tendo um grau de erro enorme. O que sabemos é que a recuperação vai ser lenta. Tem gente apostando em 2021, para recuperar o numero de passageiros de 2019. Eu não acredito nisso! Acho que é mais para 2022-2023. A recuperação do doméstico será mais rápida que o internacional, pela própria dinâmica. Mas o número que temos é uma ordem de grandeza. Acredito que no final do ano devemos estar 40% abaixo do que no ano passado. Espero ter voando 60% do que eu tinha no final do ano passado. Pode ser um pouco mais, ou um pouco menos. Além disso, cada mercado pode se comportar de forma diferente. Se o Chile se recuperar mais rápido que o Brasil, podemos realocar parte da nossa frota lá, e vice-versa. O que a gente sabe é vai ter que ter um corte importante. Mas o número exato de aeronaves vai depender da demanda e das negociações com as empresas de leasing.

Melhores Destinos: A Latam anunciou que deve trabalhar com tarifas mais baixas nas passagens aéreas para atrair clientes, enquanto houver uma demanda abaixo do esperado. Essa queda é fruto de um ganho de eficiência do setor, de um menor preço do combustível, ou uma decisão comercial da empresa? Podemos esperar boas promoções?

Jerome Cadier (Latam): É difícil acompanhar os movimentos de preço do setor aéreo. Temos uma dinâmica diferente no curto e no longo prazos. No longo prazo, o que importa é o custo da empresa. Essas variáveis apontam para um aumento de custo. O preço do petróleo já retornou ao patamar do fim de março. Enquanto que o câmbio nos pressionou de forma brutal. Ainda não sabemos quanto que as mudanças na experiência do passageiro e um eventual aumento do intervalo entre um voo e outro (por conta de processos de limpeza ou de ampliação no tempo de embarque e desembarque), também podem gerar custos adicionais. Temos uma expectativa preocupante quanto a isso.

Já no curto prazo, o preço depende de quanta capacidade (oferta) existe. Com as companhias aéreas colocando mais aviões para voar, a tendência é os preços caírem. Se o avião vai voar, vamos encher o avião. E no curto prazo queremos convidar o passageiro a voar. As pessoas estão com menos dinheiro, os passageiros estão com muita insegurança. O preço tem que ser mais convidativo para convencer as pessoas a voltarem a viajar. Por isso, seremos mais agressivos até que a demanda retorne.

Em qualquer cenário precisamos trabalhar a eficiência. Essa é a palavra de ordem! Não pode ter custo alto, não pode ter desperdício de recurso. Vamos ter que endereçar aqueles temas que mencionei de flexibilidade.

Melhores Destinos: Para finalizar, o que está sendo feito para manter o avião um ambiente seguro em meio à pandemia? Os filtros HEPA (os mesmos usados nos hospitais), o uso das máscaras e as demais medidas de limpeza e distanciamento são suficientes para garantir a segurança das viagens? 

Jerome Cadier (Latam): Temos que reconhecer que ainda conhecemos pouco desse vírus, de maneira geral. Exatamente como ele passa de pessoa a pessoa, se todas as barreiras são efetivas. Ainda não sabemos tudo o que precisamos para dizer que é absolutamente seguro ou não. Mas posso garantir que tomamos todas as medidas que precisávamos, de maneira emergencial, para garantir a segurança dos passageiros.

Viajar dentro do avião é bem mais seguro do que qualquer transporte público. Espaçamos as filas de embarque e check-in, pedimos o uso de máscaras, melhoramos os protocolos de limpeza, reduzimos as interações entre tripulantes e passageiros, procuramos alocar as pessoas de forma inteligente dentro das aeronaves. Algumas coisas vão perdurar e outras vão se tornar obsoletas ao longo do tempo. Hoje viajar é seguro e temos todas as medidas para prevenir que a pessoa fique preocupada durante o voo em relação a sua saúde.


Agradecemos ao Jerome Cadier por prontamente atender ao nosso pedido de entrevista e pelos esclarecimentos sobre a situação da Latam.

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