Dia de Finados: como funciona o transporte de caixões no avião?
Dia de Finados: como funciona o transporte de caixões no avião?
Um avião Airbus A320 tem, em média, espaço para transportar 150 pessoas. Alguns voos porém, podem decolar com “passageiros” a mais, que viajam no porão da aeronave. Não estamos falando de viajantes clandestinos, mas sim de pessoas falecidas, que embarcam com prioridade e recebem uma série de cuidados especiais para a última viagem antes do descanso definitivo.
É isso mesmo. Para além das bagagens habituais, você pode já ter viajado acompanhado de um ou mais cadáveres logo abaixo da cabine de passageiros – e muitas vezes sem sequer ficar sabendo!

Imagem ilustrativa gerada por IA
Não há dados públicos recentes sobre o volume de transporte aéreo de pessoas mortas. Porém, uma informação da Latam, referente a 2018 e publicada pela revista Superinteressante, aponta que, à época, a companhia aérea transportava mais de 100 esquifes (nome técnico para caixões e urnas) por mês, em média.
Esse tipo de serviço passa longe de ser algo trivial. Envolve uma série de regras legais e sanitárias, com o objetivo de garantir um transporte correto e seguro, o que garante a tranquilidade não só da família e dos amigos da pessoa que partiu, mas de todos os demais passageiros a bordo.
Neste post, vamos conhecer mais detalhes sobre esse transporte delicado e cuidadoso feito pelas companhias aéreas em voos domésticos para que os entes queridos possam trazer para casa aqueles que já se foram e prestar as devidas homenagens.
Preparação do corpo para a última viagem

Tanatopraxia é o nome da técnica usada para o embalsamento de cadáveres
O primeiro passo, obviamente, é a preparação do corpo (chamada de tanatopraxia) da pessoa falecida para o transporte aéreo. Este serviço é prestado pelas empresas funerárias e segue algumas exigências.
Se o intervalo entre o falecimento e o velório ficar entre 24 e 48 horas, o corpo deve passar apenas por um processo de formolização. Como o próprio nome sugere, o procedimento envolve o uso de formol, que ajuda na preservação apenas temporária dos restos mortais.
Se o intervalo for acima de 48 horas, o corpo deve ser embalsamado – um método de conservação total e permanente. É um tipo de procedimento que se inspira nas civilizações antigas do Egito, por exemplo.

Feito isso, o corpo é transportado até o aeroporto pela empresa funerária. Esse tipo de serviço de deslocamento terrestre não é oferecido pelas companhias aéreas. Você provavelmente nunca viu um caixão chegando a um aeroporto porque esse tipo de item é recebido, geralmente, na área do terminal de cargas.
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estabelece que as empresas podem recusar o transporte de restos mortais, caso julguem, apresentando justificativa plausível, que a preparação ou embalagem não estão adequados e que há riscos “inaceitáveis” à segurança do voo.
Reserva do transporte aéreo de pessoas mortas
Ao contrário da emissão de um bilhete aéreo comum, em que os passageiros podem adicionar alguns serviços, como bagagem despachada, os responsáveis pela pessoa falecida precisam entrar em contato com as companhias aéreas para agendar e reservar o transporte dos restos mortais.

Mais especificamente, com as divisões de carga das empresas, como Azul Cargo, GOLLOG e Latam Cargo. Não é possível fazer o agendamento direto pelo site, como na compra de uma passagem aérea comum, já que o transporte de restos mortais é delicado e segue uma série de normas.
E embora a aquisição deste tipo de serviço seja feito com os braços de carga das companhias aéreas, na maioria dos casos as pessoas falecidas viajam em voos comerciais.
Vale ressaltar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a prestação de serviço de conservação e translado de restos mortais humanos no caso de óbitos por encefalite espongiforme e febre hemorrágica.

A medida também vale para qualquer outra nova doença infecto-contagiosa que, porventura, venha a surgir a critério da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde. A GOLLOG, por exemplo, afirma que não transporta vítimas da Covid-19.
Quanto custa este serviço?
Essa é uma pergunta cuja resposta depende de uma série de fatores. O custo do translado de corpo varia conforme a distância, o meio de transporte, a preparação e o peso do corpo e as taxas envolvidas no processo.

Em geral, os valores ficam entre R$ 2.700,00 e R$ 6.300,00, segundo o grupo funerário Phoenix – considerando os valores pagos à funerária e à companhia aérea. No entanto, se os familiares da pessoa falecida têm um plano de assistência funerária, os custos podem ser menores.
O transporte de um corpo também pode ser feito em um avião particular, mas os preços disparam. O custo para um serviço mais exclusivo pode custar, no mínimo, R$ 80 mil! Neste caso, para a maioria das pessoas, é muito mais conveniente embarcar o falecido em um voo comercial.
Documentação necessária para o transporte aéreo de restos mortais

Para transportar restos mortais, não basta apenas um documento de identificação habitual do falecido, como acontece no check-in do aeroporto para passageiros vivos. Pelo contrário, há vários dados adicionais que precisam ser informados às companhias aéreas.
Segundo o site da Azul Cargo, os seguintes documentos são necessários:
- Comprovante de reserva feita pela área comercial através de formalização por e-mail entre base e cliente;
- Certidão de óbito;
- Ata de embalsamento ou conservação;
- Autorização para remoção (documento policial);
- Laudo de metodologia e materiais utilizados (documento da funerária);
- Documento que identifique o esquife [caixão] para o translado e documento de quem solicita o transporte (documento pessoal);
- Termo de responsabilidade da empresa prestadora do serviço funerário;

A GOLLOG, por sua vez, apresenta menos exigências em seu site:
- Documento de identidade do responsável pelo despacho, que pode ser alguém da família da pessoa falecida ou um responsável legal;
- Documento de identidade da pessoa falecida (expedido por órgão de segurança pública ou outro com mesmo efeito legal);
- Certidão de óbito (expedida por um cartório de registro civil);
- Ata de procedimento de conservação de restos mortais (laudo de embalsamento) feita por um técnico e supervisionada e aprovada por um médico.
Segundo o portal Todas Funerárias, além dessas regras, o caixão deve trazer informações como nome, a idade e o sexo da pessoa falecida, bem como a origem e o destino final e a orientação quanto aos cuidados em seu manuseio.
Desta forma, evita-se o extravio (confira no fim do post a história do caixão que ia para Maceió mas foi parar em Orlando, nos Estados Unidos) e que os restos mortais sejam enterrados pela família errada. É sempre possível que o avião esteja levando mais de um caixão, por isso é importantíssimo evitar confusões em um momento tão sensível para familiares e amigos.

A urna funerária deve conter não só os restos mortais da pessoa, mas também uma amostra de cada substância utilizada no procedimento de conservação, acondicionada em frasco impermeável e lacrado. Isso é para caso seja necessário investigar se os restos mortais foram devidamente preparados.
Como o corpo deve ser armazenado para entrar no avião?
Para que seja aceito a bordo, além do embalsamento, o corpo deve estar armazenado no chamado “saco de cadáver”. É literalmente um saco que guarda o corpo e evita que líquidos vazem e contaminem o compartimento de bagagens.

Mas não para por aí. Existem dois tipos de caixões que devem ser usados para o armazenamento do corpo, além do saco que já mencionamos. A Azul Cargo detalha em seu site as condições de cada uma dessas esquifes, como veremos a seguir:
Urna funerária – Modelo I
Recipiente interno acondicionador do cadáver, deve ser fabricado em zinco cuidadosamente soldado ou de plástico resistente selado/lacrado pelo calor ou com material adesivo.
O recipiente interno deve ser acondicionado em uma outra caixa externa de madeira com espessura igual ou superior a 20mm, resistente e impermeável.
Urna funerária – Modelo II
Caixa única em madeira com espessura igual ou superior a 30mm, resistente e impermeável, revestida em seu interior com folheado de zinco ou de qualquer outro material autodestrutivo.
As urnas do modelo II também devem possuir:
- Uma camada de material absorvente, tais como, turfa, serradura, carvão em pó, etc., com adição de uma substância antisséptica. Esta camada de material absorvente deve ter espessura igual ou superior a 5 cm;
- Fechamento hermético, através da vedação por material plástico, borracha resistente ou por metal fundido. O fechamento hermético deve suportar todo o translado e as condições adversas de seu transporte como, por exemplo, variações de pressão atmosférica e temperaturas;
- Locais para aplicação de lacres onde possa ser identificado o nome, sexo, idade e destino final dos restos mortais;
- A inscrição “MANUSEIE COM CUIDADO”.
Ossadas e cinzas

As normas em torno do transporte de pessoas falecidas não se limitam aos caixões “tradicionais” – há regras específicas também para ossadas e cinzas. Em seu site, a Azul Cargo também traz os detalhes para esse tipo de serviço:
Urna para ossadas
A ossada deve estar armazenada em um recipiente interno acondicionado, fabricado em plástico resistente, selado/lacrado pelo calor ou com material adesivo. O recipiente interno deve ser acondicionado em uma outra caixa externa de madeira ou papelão resistente e impermeável.
Caso seja de interesse do responsável pela remessa, para aumentar a segurança da urna, a caixa de madeira poderá ser acondicionada dentro de uma caixa de papelão resistente e impermeável.
Urna para cinzas
A Azul Cargo aceita urnas do tipo jarro com tampa, podendo ser fabricadas de vários materiais, como metal, madeira, porcelana etc.
O item deve ser hermeticamente fechado e deve ser acomodado em uma caixa de papelão resistente e impermeável. Deve-se atualizar material acolchoante, como por exemplo plástico-bolha para evitar choques e quebras.
Vale ressaltar que urnas para cinzas podem ser transportadas como bagagem de mão por não serem consideradas material biológico nem oferecerem risco sanitário. No entanto, os passageiros devem seguir as mesmas regras de tamanho e peso de cada companhia aérea para malas comuns levadas a bordo.
A Anvisa afirma que o translado de cinzas não é alvo de controle sanitário.
Uma pessoa morta viaja junto com as bagagens comuns?

Sim e não. É fato que os restos mortais podem ser embarcados no compartimento de carga de uma aeronave comercial, mas não necessariamente vão no mesmo lugar onde estão as bagagens comuns dos passageiros. Pode haver seções específicas do porão preparadas para receber os caixões, e podem ser armazenados em contêineres maiores no caso de aeronaves de grande porte.
A Anac estabelece que “os restos mortais são equiparados à carga comum e poderão ser transportados em aeronaves de carga e de passageiros, tanto nacionais quanto internacionais, desde que preparados e embalados em conformidade com a legislação e regulamentação sanitária vigente”.
De maneira geral, como já destacamos, os caixões chegam ao aeroporto por meio do terminal de cargas.
Embarque e desembarque prioritários

Assim como as bagagens de passageiros da classe executiva, os caixões costumam ter tratamento especial nas companhias aéreas. A GOLLOG, por exemplo, afirma que as esquifes têm embarque e desembarque prioritários, com liberação até duas horas após a aterrissagem.
A Latam Cargo segue um caminho semelhante ao afirmar que oferece “prioridade garantida” no serviço de transporte de pessoas falecidas.
Transporte internacional de restos mortais
Tudo o que vimos até aqui se refere ao transporte de cadáveres em voos nacionais. Mas vale ressaltar que as regras variam no caso do translado internacional de pessoas falecidas. Nestes casos, é necessário consultar a legislação do país de origem/destino para saber o que é permitido.

A Azul Cargo estabelece as seguintes regras para o transporte internacional de restos mortais:
- Certidão de óbito ou certificado oficial de “causa mortis” emitido por instituição competente. Este documento deve explicitar que a “causa mortis” não está relacionada a doenças consideradas infectocontagiosas;
- Ata de embalsamento ou conservação do corpo da pessoa falecida assinada por profissional legalmente habilitado para a prestação do serviço, contendo a descrição da metodologia empregada, quando for o caso;
- Declaração de exumação de restos mortais expedida pela instituição que prestou o serviço, quando for o caso;
- Declaração de cremação do cadáver expedida em papel timbrado da instituição, quando for o caso de translado de restos mortais/cinzas;
- Laudo com a descrição da metodologia utilizada no tratamento com material desinfetante dos restos mortais assinado por profissional legalmente habilitado para a prestação do serviço, quando for o caso;
- Certidão expedida pela autoridade consular certificando que a urna funerária, devidamente lacrada, somente contém o cadáver e sua vestimenta, quando se tratar de translado internacional de cadáver e de restos mortais humanos;
- Licença de Trânsito na qual constem o nome, sobrenome e idade do morto, expedida pela autoridade competente do país onde ocorreu o falecimento, em caso de transporte internacional;
- Documento que identifique e qualifique o requerente do translado (original e cópia);
- Termo de responsabilidade expedido pela empresa prestadora de serviços funerários.
O cadáver brasileiro que foi parar em outro país por engano
Por falar em translados internacionais de pessoas falecidas, nos anos 2000, um cadáver brasileiro foi embarcado em um avião de São Paulo com destino a Maceió, mas acabou indo parar no lugar errado.

O caixão foi despachado na capital paulista em um Boeing 767 da Transbrasil que teria como destino final Orlando (cuja sigla do aeroporto é MCO), nos Estados Unidos, com uma escala em Brasília. Ao chegar à capital federal, os passageiros, bagagens e outros objetos (incluindo o caixão) que seguiriam para Maceió (cuja sigla do aeroporto é MCZ) deveriam ser transferidos para outro avião.
No entanto, mesmo com a etiqueta MCZ, o caixão foi deixado no Boeing 767 por engano e descuido com relação ao código e seguiu viagem para MCO.
Em Orlando, as autoridades que recepcionaram o voo abriram o caixão para conferir se havia itens proibidos, tóxicos ou contrabando, e o despacharam de volta para o Brasil. Bastou a leitura errada de uma letra entre as siglas MCO e MCZ para todo o problema acontecer.
Uma última jornada cheia de detalhes
Definitivamente, como pudemos ver, o transporte aéreo de cadáveres em caixões não é simples. De uma longa lista de documentos e uma série de exigências sanitárias que envolvem até mesmo o Ministério da Saúde, é um serviço que exige cuidado e delicadeza não só pela sua complexidade, mas pelo respeito que se deve ter pela pessoa falecida – e, consequentemente, pelos familiares e amigos.

De toda forma, este é mais um exemplo do papel fundamental que as companhias aéreas exercem para encurtar distâncias e conectar pessoas. Costumo dizer que a aviação permite que as pessoas realizem seus sonhos mais incríveis, como conhecer a Torre Eiffel, a Disney ou as praias paradisíacas da Tailândia, mas também está a postos para os dias mais dolorosos de uma família.
Com informações de IATA, Superinteressante, portal Todas Funerárias e Grupo Phoenix. A imagem de capa deste post foi gerada por IA e não reflete necessariamente a forma como um caixão é acomodado em uma aeronave. A imagem foi gerada apenas para fins ilustrativos