Presidente da Itapemirim afirma que a empresa voltará a voar, mas setor vê grandes desafios
Presidente da Itapemirim afirma que a empresa voltará a voar, mas setor vê grandes desafios
O presidente da Itapemirim, Sidnei Piva, afirmou que a empresa não está falida e disse que está negociando aportes com investidores para a companhia retomar suas operações. “Suspenso não é cancelado. Vamos voltar a voar. Quando voltarmos, teremos de preencher todos os questionários da Anac, mas a Itapemirim deverá estar apta para voltar em breve”, disse em empresário em uma entrevista publicada hoje pelo Estadão, sem definir um prazo para esse eventual retorno.
No entanto, apesar da empresa alegar que a interrupção é temporária e necessária para uma reestruturação interna, fontes do setor de aviação ouvidas pelo Melhores Destinos foram categóricas ao afirmar que um eventual retorno da Itapemirim será muito difícil e envolverá grandes desafios.
Na última sexta-feira, a empresa suspendeu repentinamente as suas operações aéreas, deixando milhares de clientes desassistidos a poucos dias do Natal e do Réveillon. Por conta disso, a empresa teve o seu Certificado de Operador Aéreo (COA) suspenso pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Nesse post vamos explicar o que aconteceu com a Itapemirim, porque o mercado duvida do seu retorno, o que está acontecendo com os passageiros prejudicados e o que você pode fazer para minimizar seu prejuízo se tiver algum voo com a empresa.
O que deu errado com a Itapemirim?
O Presidente da Itapemirim disse que a empresa precisou suspender todos os voos porque prestadores de serviços deixaram de fazer a operação aeroportuária da companhia, que é toda terceirizada. Piva negou que a paralisação tenha decorrido de problemas financeiros, mas admitiu atrasos nos pagamentos dos fornecedores.
O fato é que com menos de seis meses de operação a empresa enfrentava uma crise financeira. Sem dinheiro em caixa, havia sido notificada pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) por atrasos no pagamento de salários, diárias, vale refeição, FGTS e pela suspensão do plano de saúde dos funcionários devido à falta de pagamento. Além disso, também estava sendo cobrada por dever fornecedores e pela suspensão do atendimento aos clientes no call center e demais canais.
Alguns dias antes da paralisação total, a Itapemirim já dava sinais de problemas. A empresa estava cancelando e atrasando muitos voos e não estava comunicando ou prestando a devida assistência aos passageiros afetados. Tanto que algumas das principais agências de viagem do Brasil suspenderam as vendas de passagens da empresa. Isso também ocorreu com a Avianca Brasil dias antes da empresa quebrar. É um indicativo que o setor já estava prevendo que a companhia aérea teria dificuldade de se manter.
Dias antes de parar, a Itapemirim alegou que negociava um empréstimo de R$ 200 milhões com bancos brasileiros para continuar a operação deficitária por mais algumas semanas, mas possivelmente teve dificuldades para oferecer garantias. Afinal, a companhia não tem grandes ativos: diferentemente da Avianca Brasil, que tinha algumas aeronaves próprias, seus aviões são todos alugados. Mas Piva garante que a empresa vai sobreviver mesmo sem estar gerando caixa. “A Itapemirim tem outros recursos. Já fiz reunião com investidores que estão interessados em colocar dinheiro na companhia. Não posso dizer até por confidencialidade, mas são todos brasileiros. Fundos conhecidíssimos.”
Uma imagem marcante e que diz muito sobre a postura da empresa aconteceu no período da final da Copa Libertadores, no fim de novembro. Na manhã de 27/11, boa parte da frota operacional da Itapemirim estava estacionada no Aeroporto de Carrasco, em Montevidéu, enquanto os painéis dos aeroportos brasileiros indicavam o cancelamento de quase todos os voos da empresa no Brasil. A Itapemirim simplesmente fretou quase toda a sua frota para levar torcedores do Flamengo e do Palmeiras ao Uruguai, em detrimento dos passageiros que tinham comprado passagens para os voos regulares programados no Brasil…
Na entrevista ao Estadão, Piva insistiu na tese de que o problema foi operacional. “Tínhamos contratos com várias dessas empresas e um planejamento para, a partir de 10 janeiro, a Itapemirim assumir toda a operação de aeroportos.” Mas uma das empresas, a Orbital, teria se negado a prosseguir com o atendimento dos passageiros. No entanto, essa versão foi desmentida pelo presidente da Orbital, Rubens Filho, que disse ao jornal que a declaração de Piva é uma “inverdade” e que a Orbital continua prestando assistência a passageiros mesmo sem expectativa de ser remunerada.
Passageiros foram seriamente prejudicados
Um dos cenários mais tristes provocados por essa crise foi a desassistência aos passageiros prejudicados. A Itapemirim está prometendo o reembolso das passagens de quem ainda não viajou. Só que mesmo que o dinheiro seja de fato devolvido no prazo de 30 dias, o que é incerto até o momento, o passageiro atingido nunca vai conseguir comprar uma nova passagem pelo mesmo valor gasto, já estamos em plena alta temporada com a maioria dos voos lotados.
Agora, se a Itapemirim não conseguiu honrar seus compromissos básicos como salários, fornecedores e plano de saúde no momento de maior demanda da aviação nacional, como é que ela vai conseguir agora que foi proibida de vender novas passagens pela Anac? De onde vai sair o dinheiro? Quem vai emprestar dinheiro para uma empresa que não pode voar?
Piva insiste que há fundos interessados em investir na empresa e que está negociando a melhor opção para o negócio. “A Itapemirim não está com problema. Ela está com as contas justas, como deve ser em todas as companhias. Não acredito que alguma companhia aérea esteja com seu balanço positivo. Se você perguntar: ‘A Itapemirim tem muito dinheiro em caixa?’ Não, mas a Itapemirim é uma empresa que trabalha seu dia a dia com responsabilidade no caixa”, declarou ao jornal.
Sobre os clientes prejudicados com a suspensão dos voos, Piva declarou que estava muito triste e chateado. “Quero que essas pessoas saibam que vou fazer de tudo para amenizar esse transtorno. Temos de beneficiá-las no futuro. Agora, o que posso fazer hoje é devolver o dinheiro para elas não serem lesadas. Prejudicadas, sim, porque todo mundo quer viajar nessa época. Tenho de pedir desculpa para esse cliente e vou deixar minha consideração e meu apoio. Quem conseguirmos reacomodar nas outras companhias aéreas, estamos fazendo. Está difícil porque elas estão com voos cheios. Estou colocando todos os ônibus da Itapemirim em todos os aeroportos. Não é o que a pessoa comprou, mas depois resolvemos o crédito. Estamos querendo resolver o problema delas”, disse.
Suspensão repentina dos voos minou a credibilidade da empresa
Para voltar a voar a Itapemirim vai precisar de uma nova autorização da Anac, que suspendeu o Certificado de Operador Aéreo (COA) da empresa. Além da burocracia, a empresa e seus executivos poderão responder a ações de responsabilidades civil, administrativa e penal, decorrentes de todos os fatos relacionados à paralisação dos voos, inclusive por omissão, destacou a agência, que afirmou que está acompanhando todas as ações da empresa e que ela é obrigada por lei a dar assistência a todos os clientes.
A questão mais importante é que a imagem da empresa ficou seriamente prejudicada com esse episódio. Profissionais do setor de turismo ouvidos pelo Melhores Destinos afirmaram que mesmo que a Itapemirim receba aprovação para voltar a vender passagens, a empresa terá dificuldade para recuperar a credibilidade. “Será que os clientes vão ter a mínima confiança para comprar uma nova passagem da empresa? Será que as agências de viagem, que herdaram boa parte desse prejuízo, vão voltar a vender passagens da empresa?” Isso torna o retorno da Itapemirim bem mais complexo, ainda que a empresa consiga viabilizar novos investimentos e empréstimos.
Reembolsos e acomodações
A Itapemirim informou hoje que já processou R$ 7,8 milhões em pedidos de reembolso junto às operadoras de cartão de crédito, atendendo um total de 25.696 passageiros, ou 56% dos impactados com voos até 31 de dezembro. De acordo com a empresa, os valores serão estornados aos clientes diretamente na fatura do cartão de crédito em um prazo de até 30 dias. A empresa alega que vai enviar diariamente às operadoras todos os pedidos de reembolso solicitados no dia anterior.
Já situação dos passageiros que precisam de reacomodação é mais complicada. Segundo dados da Anac, somente 430 passageiros (1%) foram realocados entre sexta-feira (17/12) e domingo (19/12). A Itapemirim está oferecendo voos em outras companhias apenas para quem fez o voo de ida e ficou sem a viagem de retorno. Neste caso, os clientes devem entrar em contato pelo telefone e torcer para haver vaga em voos de outra empresa.
Outra polêmica envolvendo a Itapemirim é o fato da empresa ter sido ser criada em meio à pandemia e enquanto o grupo está envolvido em um processo de recuperação judicial. Em setembro de 2021, administradora judicial do grupo Itapemirim EXM Partners informou que a companhia tinha mais de R$ 2,2 bilhões de dívidas tributárias e cerca de R$ 253 de endividamento sujeito à recuperação judicial.
Apesar de o grupo ter protocolado um pedido de encerramento da recuperação judicial em maio, o processo não foi encerrado e parte dos credores pediu o afastamento de Sidnei Piva e dos demais administradores do grupo, alegando o uso inapropriado dos recursos e que a empresa não estaria destinando os 80% da receita dos leilões de imóveis para o pagamento das pendências da recuperação judicial, conforme acordado. Cerca de R$ 41 milhões teria sido desviado para a companhia aérea e para o Ita Bank, o banco digital que seria criado pelo grupo, por exemplo. Mas Piva insistiu que está cumprindo rigorosamente todas as cláusulas do processo.
Tenho viagem com a Itapemirim, o que posso fazer?
Quem já fez o voo de ida deve entrar em contato com o call center da empresa no 0800 723 2121, das 6h às 21h, para solicitar a reacomodação do voo de volta. Não será fácil… Testamos o telefone informado pela empresa e levamos quase 3 horas para sermos atendidos. Já quem comprou a passagem através de agências de viagens deve entrar em contato com a mesma para ver as opções de reacomodação.
Quem optar pelo reembolso pode fazer o pedido diretamente pelo site. A empresa diz que basta preencher o formulário e enviar. E que todos os pedidos serão tratados individualmente com prazo de pagamento em até 30 dias.
Se você ainda não viajou e comprou a passagem diretamente pelo site da empresa há menos de 3 meses, é possível tentar reaver o dinheiro com a administradora do cartão de crédito ligando para o telefone que está no cartão e pedindo o “chargeback” por desacordo comercial. Quando a Avianca Brasil quebrou muitos leitores conseguiram minimizar os prejuízos dessa forma. Se o pedido for aprovado o valor pago é devolvido como crédito da fatura do cartão de crédito.
Se a empresa falir, infelizmente ações na justiça serão inócuas.
Lições apreendidas
O lamentável episódio da Itapemirim mostra que é preciso aprimorar o processo de liberação de novas empresas aéreas no Brasil. Ficou evidente que há limitações relevantes na legislação que regula o processo de outorga de novos entrantes, especialmente na questão fiscal e financeira. Nos Estados Unidos, por exemplo, o poder público pode restringir as rotas e o número de voos de novas aéreas, dando mais espaço após elas comprovarem que têm capacidade de crescer e recursos para manter a operação. A ideia é evitar que os passageiros sejam lesados por empresas que deixam repentinamente de operar.
Além disso, as experiências da Itapemirim e da Avianca Brasil mostraram que a regulamentação da Anac é ineficaz quando uma companhia aérea está quebrada. A Avianca Brasil faliu sendo multada pela agência e sem honrar as obrigações de reembolso e acomodação dos passageiros, bem como devendo salários e fornecedores, com milhares de prejudicados. Não adianta o Procon e a Anac fazerem alarde depois que o estrago já está feito. Onde estavam as autoridades quando as duas empresas já davam sinais de problemas sérios? Claramente alguns procedimentos que precisam ser revistos para evitar problemas semelhantes no futuro.
O fato é que a Itapemirim chegou prometendo se diferenciar pelo serviço, com bagagem e marcação de assentos gratuitos, mais espaço entre as poltronas e um atendimento acima da média. No entanto, deixou os clientes na mão! Cancelou voos antes mesmo de começar a operar, mantendo sempre uma postura pouco transparente durante seu curto período de vida.
Questionamentos quanto ao dinheiro necessário para iniciar uma companhia aérea foram feitos desde o começo. A empresa alegava que receberia aportes de um fundo árabe, mas o dinheiro nunca apareceu. Agora responde a acusações de ter utilizado indevidamente recursos dos credores do grupo, que deveria ser destinado ao encerramento da recuperação judicial, enquanto diz estar conversando com investidores brasileiros, sem nunca revelar informações que possam ser apuradas pela imprensa.
Fazendo um comparação do discurso com a vida real, se Azul, Gol e Latam que já estão consolidadas no mercado, cobram pela bagagem e pela marcação de assentos e possuem aviões com mais poltronas estão operando com grande prejuízo, como é que a Itapemirim vai sobreviver oferecendo atendimento premium e serviços gratuitos, sem cobrar mais caro por isso? Fica claro que a conta não fecha, nem na teoria, muito menos na prática. É um modelo de negócio que já se mostrou inviável com a Avianca Brasil e que consome muito dinheiro.
Se Itapemirim não voltar a voar vai ser ruim para a aviação nacional, porque teremos menos concorrência e porque muitos passageiros ficarão prejudicados. Mas se ela retornar sem condições financeiras de manter uma operação eficiente e estável será pior ainda, porque novos passageiros serão atingidos e mais transtornos serão causados.
Ao Procon, a Itapemirim informou hoje que há um total de 133 mil passageiros impactados pela suspensão das atividades no período que corresponde de 17 de dezembro a 17 de fevereiro. E sustentou que está se programando para retornar os voos no dia 17 de fevereiro de 2022 com uma malha aérea reestruturada.
As autoridades têm uma responsabilidade enorme pela frente. O setor aéreo não pode se tornar um laboratório para experiências de gestão de empresas que não tenham competência comprovada para gerir um negócio complexo e incerto como a aviação civil.
E você, foi prejudicado pela Itapemirim? Conseguiu alguma assistência? Comente e participe!