Por que faltam aviões para as companhias aéreas e como isso prejudica a sua viagem?
Por que faltam aviões para as companhias aéreas e como isso prejudica a sua viagem?
A falta de aviões no setor aeronáutico é um tema recorrente, em maior ou menor escala, em vários posts que faço aqui no Melhores Destinos. Não é à toa: esse tem sido um dos principais problemas recentes das companhias aéreas, que têm visto as fabricantes – sobretudo Airbus, Boeing e Embraer – não conseguirem cumprir prazos de entrega de novas aeronaves.

Isso é ruim tanto para as empresas quanto para os passageiros, especialmente porque a oferta de assentos não consegue acompanhar a demanda. Neste cenário, o principal impacto para quem viaja está numa redução de voos e um possível aumento no preço médio dos bilhetes. Já as companhias aéreas perdem a oportunidade de absorver uma demanda reprimida e aumentar suas receitas.
Colocando de forma muito básica, é a mesma lógica do morango do amor (você com certeza se lembra desse surto coletivo), que fez com que o valor da fruta disparasse diante de uma demanda que explodiu e uma oferta que não conseguia acompanhar o fluxo de vendas.

Segundo dados publicados nesta semana pela Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA, na sigla em inglês), a demanda global cresceu 4,6% em agosto de 2025 contra o mesmo mês no ano passado. Já a oferta de assentos subiu 4,5%. Na mesma base de comparação, o Brasil avançou 12,7% na demanda, enquanto a oferta teve um incremento de 8,1%.
Mas por que a escassez de aviões acontece e tem se arrastado por tanto tempo? Neste post, vamos entender os principais motivos por trás disso e o que pode acontecer em um futuro próximo!
Tudo começa na pandemia
Quando o mundo começou a se fechar, em março de 2020, muitas coisas se tornaram incertas. Da nossa ida ao supermercado da esquina ao simples encontro com amigos e parentes, tudo mudou. E na economia, muitos olhares se voltaram à aviação, um ponto natural de aglomeração de pessoas.

Assim como em outros setores, milhares perderam seus empregos em companhias aéreas, aeroportos, fabricantes e em parceiros e fornecedores para a indústria. Todo o mundo que orbita a aviação parou rapidamente, com algumas empresas fechando as portas e outras dando férias coletivas aos trabalhadores, entre outras medidas para mitigar prejuízos.
“Da noite para o dia, parou tudo. De cara, a cadeia produtiva na aviação foi interrompida, começando pelos aeroportos. E isso é uma reação em cadeia para as companhias aéreas e para todas as empresas do entorno que prestam serviço”, afirma o coordenador do curso de aviação civil da Universidade Anhembi Morumbi, Alexandre Faro.
Essencialmente, sem pessoas não há produção de praticamente nada, mesmo com tantos processos automatizados hoje em dia. Aviões foram enviados para armazenagem, luzes se apagaram nos aeroportos, máquinas foram desligadas e as pessoas deixaram de ter onde gastar o seu dinheiro, o que fez com que muita gente planejasse suas viagens para quando tudo voltasse ao normal.
Companhias aéreas devolvem aviões e desistem de contratos

Sem passageiros, os aviões estacionados nos aeroportos passaram a representar um custo muito alto para as companhias aéreas, que já viam no horizonte outras ameaças a suas finanças, sobretudo à medida que a quarentena se estendia indefinidamente.
Entre as soluções imediatas encontradas pelas empresas estavam o envio das aeronaves para armazenamento em outras regiões do mundo – incluindo desertos! -, a renegociação de pedidos de novos aviões junto às fabricantes e a alteração dos contratos de aluguel com empresas de leasing (“locação”, em inglês).

Segundo um levantamento do portal ch-aviation, cerca de 18 mil aeronaves estavam no chão e fora de operação ao redor do mundo em julho de 2020, um dos momentos mais críticos da pandemia em termos de fechamento das economias. Esse número representava mais da metade da frota mundial à época.
Redução de matéria-prima e produção de materiais pelo mundo
A baixa demanda por aviões causada pela falta de passageiros por conta da pandemia gerou um efeito que chegou na cadeia de produção das aeronaves.

A extração das matérias-primas para a fabricação dos aviões foi fortemente impactada. Houve redução na demanda e, consequentemente, na oferta de derivados do petróleo, minérios, aço, alumínio, titânio, fibra de carbono, plástico, polímeros, borracha, entre vários outros elementos que integram a complexidade de uma aeronave.
A China, um dos países que mais restringiu a circulação de pessoas e mercadorias durante a pandemia, lidera a produção global de alguns dos materiais mais importantes na fabricação de aviões.
Retomada lenta e difícil
“A pandemia não pode deixar de ser apontada como um fator crucial nesse atraso [na entrega de aviões] porque foi um ano e pouco de coisas paradas. E quando você retoma a linha de produção, você precisa colocar a empresa novamente no ritmo, mas não é só isso. Há insumos que pararam de ser produzidos. Uma coisa foi impactando a outra”, explica Faro.

A expectativa pela reabertura da sociedade como um todo era grande, mas frustrou muitos viajantes à medida que percebiam que as opções de voos e de algumas rotas e destinos não eram as mesmas de antes. A enxurrada de demanda sufocou a oferta.
No meio aeronáutico, que inclui companhias aéreas, aeroportos e fabricantes, muitas empresas depararam com a falta de trabalhadores. Precisando de emprego e de salário mesmo com o rolo compressor da crise sanitária e econômica, muitas pessoas abandonaram a aviação e foram fazer carreira de outras formas.
“É um impacto de cadeia logística que depois que ocorre é muito difícil de recuperar o tempo [perdido]”, comenta o professor da Anhembi Morumbi.

O impacto humano fez todo o resto colapsar. Sem pessoas, a retomada na extração de matéria-prima demorou mais do que o normal, o que reduz a capacidade e o ritmo de produção nas fabricantes, que simplesmente não recebem material suficiente para montar seus aviões e entregá-las a seus clientes.
“Tudo o que você tinha de extração, de mineração, parou. E de repente você precisa retomar. Há um gap na produção de aeronaves que agora vem se tentando recuperar”, destaca Faro.
Assim, as companhias aéreas até enxergam a demanda explodindo diante de seus olhos, mas ficam de mãos amarradas para supri-la plenamente. Novas rotas, novos destinos e o reforço do que já existe acabam em segundo plano, o que prejudica as escolhas dos passageiros.
A complexidade para fabricar um avião
Sobre a fabricação de aeronaves, a definição trazida por Alexandre Faro na conversa que tive com ele é didática: “o avião é um quebra-cabeças”.

Nenhum avião em nenhum lugar do mundo é fabricado apenas com insumos, peças e componentes produzidos localmente. Os itens chegam a São José dos Campos (Embraer), Seattle (Boeing) ou Toulouse (Airbus) de diversas partes do mundo, e aí você já pode estar adivinhando que vamos dizer que a pandemia bagunçou tudo.
Com ritmos diferentes de reabertura ao redor do planeta, e começando pela disponibilidade de trabalhadores, a fabricação de aeronaves foi e ainda é duramente impactada. “É muito difícil padronizar a obtenção de matérias-primas ou a produção de peças”, comenta Faro.

Ou seja, um simples componente que deveria vir, por exemplo, da China para um avião da Embraer que está na linha de montagem em São José do Campos, pode comprometer a data prevista de entrega para a companhia aérea.
“A cadeia de suprimentos tem que estar muito preparada, muito desenvolvida para que um elemento não impeça a entrega de um avião”, destaca o professor.
Falta de peças impede manutenções
A situação atual não se limita às fabricantes que não conseguem entregar aviões nos prazos combinados. A parte de manutenção nas companhias aéreas também sofre, com hangares em atividade reduzida por conta da falta de peças – que também dependem do bom funcionamento da complexa cadeia produtiva do setor.
Ao ficarem parados, os aviões não só deixam de ser usados para levar mais pessoas para lá e para cá com um aumento na oferta de assentos e mais receita, como representam um custo extra para a empresa. A máxima “aviação no chão é prejuízo” nunca fez tanto sentido!
Aluguel de aviões pode não ser uma solução
Uma saída poderia estar no aluguel de aviões com empresas de leasing para suprir a demanda imediata e resolver o problema, mas não é tão simples assim. Segundo Alexandre Faro, a dificuldade se estendeu a esse segmento do setor justamente pela necessidade urgente das companhias aéreas.

“Ao terminar o leasing, a empresa devolve o avião para a empresa que fez o leasing e pega uma aeronave mais nova para manter a frota atualizada”, explica.
No entanto, a retomada pós-pandemia criou um fenômeno diferente: em muitos casos, as companhias aéreas optaram por estender os contratos. Isso não só preserva a frota como evita a burocracia de trocar um avião por outro, o que fez com que outras empresas que estavam esperando por essas aeronaves acabassem não as recebendo no tempo previsto.
Aviões voando por mais tempo

Uma saída que as companhias aéreas têm adotado é fazer com que os aviões voem por mais tempo, com mais viagens ao longo de um mesmo dia. Isso é possível sobretudo em trajetos domésticos ou voos internacionais de curta distância.
No entanto, essa extensão na operação de um avião nem sempre é possível, especialmente por gargalos de estrutura. Aeroportos como os de Congonhas, em São Paulo, e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, têm limitações de horário e de slots (autorizações de pousos e decolagens) que amordaçam as tentativas das empresas de ampliar a oferta em um cenário de demanda crescente e sem um número suficiente de aviões.
“Mesmo que uma empresa tenha mais aviões, isso de nada adianta se os aeroportos não contam com uma estrutura que permita uma operação maior”, diz Faro.
Aviões mais caros? Pode sobrar para o passageiro

A regra geral de que uma oferta que não acompanha a demanda tende a fazer determinados produtos subirem de preço pode se aplicar também na relação da oferta de insumos x demanda por aviões.
As fabricantes não revelam os valores básicos de fabricação de suas aeronaves, mas é possível imaginar que os custos para as companhias aéreas adquirirem novos aviões possam estar mais elevados do que antes da pandemia.
Com a escassez de matéria-prima, os preços sobem para as fabricantes, que repassam o custo para as companhias aéreas – que, por sua vez, acabam embutindo parte desse valor nas passagens que você vai pagar depois.

“Quanto mais maleáveis os mercados forem, menor a tendência de impacto nos preços. Quanto menos maleabilidade, quanto menos entendimento houver entre os mercados, a tendência é de aumento [dos preços]”, explica Faro.
Passagens vão ficar mais baratas com mais aviões no ar?
Uma retomada plena das frotas das companhias aéreas ao redor do mundo e um reequilíbrio na relação oferta x demanda não significa que as passagens vão ficar mais baratas.

Isso porque o número crescente de viagens aéreas indica que as companhias poderão, em um primeiro momento, apenas ajustar a oferta à demanda. Em 2024, o Brasil transportou 118,3 milhões de passageiros, resultado que só fica atrás de 2019!
“Quando você parou na pandemia, tudo ficou estagnado, e na retomada das atividades existia uma demanda reprimida muito grande. São duas coisas que caminharam juntas. No tempo em que as pessoas ficaram sem voar durante a pandemia, todo mundo ficou se planejando.”, afirma Faro.
Quanto tempo esse problema ainda deve durar?
A resposta para essa pergunta depende do comportamento dos mercados ao redor do mundo, mas a tendência é que exista uma melhora ao longo do tempo, com as empresas se reestruturando e acertando os processos.

No Brasil, temos dois casos que apontam para um cenário positivo já no curto prazo.
Em sua última divulgação de resultados, a Gol afirmou que pretende ter toda a sua frota à disposição no início de 2026. Segundo seu último relatório de resultados financeiros, a Gol tem uma frota de 141 aeronaves, sendo que cerca de 10 ainda estão fora de operação.
Na comparação do segundo trimestre de 2024 com o mesmo período de 2025, a Gol trouxe 20 aviões de volta à malha e recebeu 12 novos Boeing 737 MAX. Com isso, a empresa aumentou a capacidade de assentos em quase 20%.
Atualmente, a empresa tem um pedido em andamento com a fabricante norte-americana para cerca de 90 novos aviões.

Em outra frente, a Embraer deu uma indicação ao mercado sobre seu ritmo de produção ao fechar um contrato de até 74 jatos E2 com a Latam, com previsão de que os primeiros modelos sejam entregues já em 2026. Essa rapidez teria sido um dos motivos que levou a companhia aérea a escolher a fabricante brasileira – a concorrente Airbus demoraria mais para entregar o A220.
Com os aviões da Embraer, a Latam espera abrir 35 novos destinos em toda a América do Sul, começando pelo Brasil. É mais uma prova da importância da ampliação de frota e de como isso é benéfico não só para as empresas, mas também para os passageiros.