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Como é voar na Air Koryo, a pior companhia aérea do mundo

Denis Carvalho
07/11/2012 às 17:28

Como é voar na Air Koryo, a pior companhia aérea do mundo

Qual a pior companhia aérea em que você já voou? Aerolíneas Argentinas? Iberia? Aerosur? Pois saiba que nenhuma delas conseguiu a façanha da empresa que apresentamos hoje. A Air Koryo, empresa aérea estatal (e única) da Coreia do Norte é a única a receber apenas uma estrela no ranking do SkyTrax, o mais conceituado do setor, o que faz dela a pior empresa aérea do mundo. Gabriel Prehn Britto, autor do ótimo blog Gabriel quer viajar encarou o desafio e foi conhecer de perto a companhia aérea, que ainda voa com antigos aviões construídos pela União Soviética. Confira seu ótimo relato e veja se a Air Koryo faz jus ao título de pior do mundo:

 

 

 

 

 

A Coreia do Norte é considerada a nação mais fechada do mundo. Os números não são precisos, mas a quantidade de ocidentais que visita o país a cada ano gira ao redor de apenas 3 mil pessoas. Para chegar lá, esses viajantes têm duas alternativas: avião ou trem. Se escolherem chegar por via aérea, é grande a chance de precisarem voar na única companhia com apenas uma estrela no ranking SkyTrax e, portanto, considerada a pior do mundo: a Air Koryo.

Essa empresa de péssima fama foi fundada em conjunto por norte-coreanos e soviéticos em 1954 e foi batizada de Chosonminhang. Chegou a voar para lugares como Moscou, Berlim e Praga, mudou para o nome atual em 1992, mas, aos poucos, junto com a decadência do comunismo e do próprio país, foi perdendo destinos internacionais regulares até chegar aos três que tem hoje: Pequim e Shenyang, na China, e Vladivostok, na Rússia. Existem relatos de voos para Kuala Lampur, na Malásia, e para Bangcoc, na Tailândia, mas os mesmos não são regulares nem constam no site da companhia.

Uma olhada na Wikipedia atrás de informações sobre a frota da Air Koryo pode ser assustadora para quem não é fã de aviação. Com exceção de um Antonov ucraniano, todos os outros aviões são os russos Ilyushin e Tupolev. Isso não é necessariamente um motivo de preocupação, afinal existem modelos modernos desses fabricantes, todos autorizados a voar na União Europeia, por exemplo. Mas uma pesquisa mais cuidadosa mostra que esse não é o caso da maioria dos aviões da Air Koryo. Os modernos, ali, são poucos.

Apesar dessas características potencialmente arrepiantes, a Air Koryo é membro da IATA (a Associação Internacional de Transporte Aéreo) e o histórico de acidentes da companhia é baixíssimo. São apenas dois registrados em mais de 50 anos de atividades, em 1983 e em 2006, sendo que esse último não teve nem feridos. Mas é bom lembrar que estamos falando da companhia aérea estatal de uma ditadura, o que sempre pode significar informações sonegadas ou falsas.

Mesmo sabendo de tudo isso, quando fechei minha viagem para lá não tive a menor dúvida e escolhi chegar de avião com a Air Koryo. Eu tinha consciência de que poderia ser, no mínimo, tenso, mas viajar para a Coreia do Norte é como viajar no tempo, direto para o período da Guerra Fria. Eu queria entrar no clima logo que fosse possível e não podia perder aquela oportunidade de voar em um equipamento fabricado na falecida União Soviética.

Então eu fui.

Compra

Aqui é preciso explicar algumas coisas.

Os turistas que visitam a Coreia do Norte são obrigatoriamente acompanhados por guias locais durante a estadia e as viagens precisam ser autorizadas pela Agência Internacional de Turismo da Coreia. Como nenhum viajante sem tendências masoquistas quer enfrentar sozinho a maior burocracia estatal do mundo, praticamente todos optam por fazer a viagem através de companhias de turismo especializadas no país. Dentro dos pacotes que essas companhias oferecem, estão incluídos todos os trâmites e também as compras das passagens de ida e volta, o que elimina a experiência (certamente árdua) de ter que encontrar os bilhetes por conta própria. Por isso dá para dizer que a compra das passagens da Air Koryo foi das mais fáceis que já tive, porque ela simplesmente não existiu.

Em outubro, jornais internacionais publicaram a notícia de que a Air Koryo finalmente lançou o seu site, mas relataram que a compra por lá parece ser impossível e sempre acaba em uma mensagem de erro. Então, aparentemente, a experiência vai continuar não existindo por um tempo.

Pré-viagem

Um dia antes do embarque, já em Pequim, fui até a agência de turismo para receber as últimas informações. Foi quando fiquei sabendo que o meu voo para a capital Pyongyang sairia duas horas mais cedo do que o planejado e que a aeronave programada para a viagem, um dos poucos Tupolevs modernos da companhia, também havia mudado. Agora eu iria em um Ilyushin Il-62M que, nas palavras do guia da agência, “com sorte, foi fabricado na década de 70”.

Fiquei feliz. Era justamente o que eu queria. Mas confesso que fiquei com um pouco de medo também.

Embarque

O embarque para a Coreia do Norte é feito pelo terminal 2 do aeroporto internacional de Pequim. Ao contrário do terminal 3 – aquele construído para os Jogos Olímpicos de 2008, moderno, enorme e lindo – o terminal 2 é pequeno, apertado, feio e confuso. Mas como eu estava em um grupo, não me preocupei com nada. Apenas segui as ordens do meu guia inglês e deixei as coisas acontecerem.

Os primeiros norte-coreanos da viagem apareceram quando eu estava na fila do check-in. Eles foram facilmente reconhecidos pelos bótons que sempre usam, com os rostos dos dois falecidos ditadores do país, chamados por eles de “Grande Líder” e “Querido Líder”. Junto com os norte-coreanos apareceu aquela mania que alguns povos asiáticos têm de ignorar qualquer fila indiana. Como não sou de implicar com culturas diferentes, relaxei, esperei que eles terminassem de despachar as bagagens (que são limitadas a uma peça de 20 kg por pessoa, mas que eles excediam muito) e, um bom tempo depois, estava no guichê sendo atendido por um homem que não usava uniforme da Air Koryo e que praticamente não falou comigo. Apenas olhou meu passaporte, digitou algumas coisas e me deu um dos meus melhores souvenires de viagem até hoje: o cartão de embarque para Pyongyang (impresso com o logotipo da Air China).

A parte da alfândega foi demorada como em qualquer aeroporto pequeno, apertado, feio e confuso, o que me fez ter que correr até o portão de embarque. Uma corrida inútil, já que o voo atrasou bastante – por motivos não explicados, é claro – e eu fiquei muito tempo esperando dentro do ônibus que fazia a ligação do portão à aeronave soviética. Mas eu tive sorte. A maioria dos passageiros passou o mesmo tempo dentro do avião lotado. Eu fui o penúltimo a entrar, depois de fazer algumas fotos rápidas do lado de fora, ainda um pouco chocado com aquelas turbinas duplas que faziam o Ilyushin Il-62M parecer um Fokker 100 bombado.

Voo

Quando cheguei à porta, cumprimentei as aeromoças norte-coreanas (que não estavam com cara de felizes e já falaram: “No photo!”) e virei para o corredor. Naquele momento, a viagem no tempo começou.

Eu nasci em 1976. Não sei quando foi minha primeira viagem consciente em um avião, mas certamente foi em uma aeronave bem parecida com aquela. A sensação, ao menos, era a de que eu estava entrando de novo em um daqueles aviões da Vasp, da Transbrasil ou da Varig, mas com alguns toques russos e sinais luminosos em coreano.

Todo o interior parecia coberto por um papel de parede estampado, de cor bege, que dava um ar de casa de bisavó para o ambiente. As poltronas tinham um tecido grosso, que parecia lã (mas não era). E, para o alívio de todos, os compartimentos de bagagem de mão tinham um tamanho decente – o guia da agência de viagens havia pedido para o pessoal pegar leve, porque o compartimento poderia ser apenas uma rede com espaço para pouca coisa.

A cabine era dividida em várias partes, separadas por áreas pequenas que ficavam isoladas das poltronas por cortinas. Como o voo estava atrasado, tive que entrar rapidamente e não consegui olhar em detalhes, mas me pareceu que nessas áreas pequenas eram guardadas as comidas e bebidas que seriam servidas aos passageiros de cada uma das partes próximas. Era como se todo o material para o serviço de bordo fosse dividido ao longo da cabine, ao invés de guardado na traseira ou na dianteira do avião. E para cada uma das divisões da aeronave, pelo menos três comissárias de bordo trabalhavam, o que me fez concluir que havia no mínimo 9 delas em ação no voo.

Obviamente um avião dos anos 70 não tinha vídeo para instruções de segurança ou entretenimento. Mas foi distribuída uma revista com norte-coreanos felizes na capa e com o atual líder, sorridente, logo nas primeiras páginas. Era uma óbvia propaganda do país, mas como estava inteiramente escrita em coreano, não servia para estrangeiros.

Então chegou o momento mais tenso da viagem: a decolagem. Era a hora de ver se aquele bólido russo de 40 anos e lotado seguraria o tranco mais uma vez.

Tentei não pensar em besteiras, apenas fiquei de olho no chão para ver se ele não começaria a se aproximar de novo logo depois de se afastar. Foi quando escutei um estalo e uma gargalhada espalhafatosa vindo das poltronas do fundo. Como o chão continuava se afastando, não me preocupei e só fui ver o que tinha acontecido quando já estava no ar: uma peça do acabamento do teto do corredor havia se soltado durante a decolagem e uma passageira havia achado engraçadíssimo.

Era, digamos, um “toque vintage” perfeito para a aventura.

O almoço veio logo em seguida. Hoje, mesmo depois de conhecer um pouco da cozinha coreana, eu olho para a foto que fiz da comida e não consigo identificar tudo que foi servido. Identifico as frutas, o pão, o tomatinho e aquela espécie de mortadela no canto superior direito da bandeja. Mas não sei o que era aquela “massinha” junto à mortadela e muito menos aquilo que está no canto superior esquerdo, que dei uma mordidinha, achei doce e frio e não comi. Para beber, suco, cerveja e água. Escolhi a água.

Também logo depois da decolagem foram distribuídos os papeis da imigração, que não têm perguntas muito diferentes das outras imigrações pelo mundo. A burocracia alfandegária parece ser a mesma em todos os lugares.

Depois, tudo correu perfeitamente bem. O voo de pouco menos de duas horas no Ilyushin Il-62M foi suave como qualquer outro feito em um Boeing, Airbus ou Embraer da vida.

Chegada

O pouso foi igualmente tranquilo.

O aeroporto internacional Sunan fica em uma cidade com o mesmo nome, a 24 km da capital Pyongyang, e logo na chegada já mostra para o visitante a cara das cidades da Coreia do Norte.

Ao lado da pista, o mato é alto e precisa de uma poda urgente. Os prédios são velhos, sem cor e mal iluminados. Os aviões e os veículos parados no asfalto são tão antigos quanto o Ilyushin onde eu estava. Militares ficam espalhados por todos os cantos, muitos com cara de quem não tem nada para fazer e estão ali apenas porque, enfim, têm que estar ali.

O desembarque foi rápido e feito com escada, apenas pela porta dianteira, apesar de haver outras abertas ao longo do avião. Foi nesse momento que consegui fotografar a melhor ideia russa para a aviação mundial: poltronas que reclinam para trás e para frente, permitindo que o passageiro da fileira de trás possa baixar o encosto à frente e esticar as pernas, caso não haja ninguém naquele assento.

Minha surpresa ao sair do avião foi não encontrar nenhuma foto do Grande Líder ou do Querido Líder recepcionando os visitantes ao ar livre. Mas quando nos direcionaram para um prédio pequeno, deduzi que o terminal principal (que eu já havia visto na internet e onde existe uma imagem gigantesca do Grande Líder) está em reforma, encoberto. Por enquanto, as imagens dos dois ditadores estão apenas do lado de dentro do prédio atual.

Naquele lugar que tem toda a pinta de ser um hangar improvisado como terminal, a confusão era a mesma de um aeroporto normal. Lá estavam as filas para passar pela alfândega, os policiais de fronteira carrancudos e uma aglomeração perto da esteira de malas. Diferente mesmo, apenas a paranoia de proibir fotos, que nem é tão respeitada pelos turistas com câmeras pequenas, que fotografam sem chamar a atenção. Só eu e os outros viajantes que estavam com máquinas enormes e espalhafatosas tivemos que nos contentar “apenas” com a nossa visão e com poucas imagens dentro do pseudo-terminal.

A bagagem apontou na esteira mais rápido do que em Guarulhos. A partir dali, só havia uma etapa pela frente: a passagem pelo raio-x, que foi feita sem absolutamente nenhum estresse, com o policial pedindo para ver apenas uma niqueleira que eu tinha na minha mochila.

Freeshop de Pyongyang

Minha experiência com a pior companhia aérea do mundo acabava ali e, no fim das contas, nem tinha sido tão ruim e até achei injusta aquela estrela solitária no ranking da SkyTrax.

Apesar dos confusões nos horários e da leve tensão, o voo JS 222 foi uma viagem bem boa. Voltei para a China de trem, porque já havia decidido isso logo no início da viagem. Mas, se um dia eu retornar à Coreia do Norte, ida e volta vão ser com a Air Koryo.

Agradecemos o Gabriel por este relato excelente! E você? Já voou pela companhia? Concorda que ela é mesmo a pior do mundo? Deixe suas impressões nos comentários!  Se você fez ou vai fazer uma viagem com alguma empresa aérea que ainda não foi avaliada aqui no Melhores Destinos ficaremos felizes em publicar sua avaliação: entre em contato pelo e-mail dicas@melhoresdestinos.com.br Você pode conferir todas as avaliações publicadas pelo MD neste post.

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